#4 – Sobre escolhas e apatia – A Falácia do Custo Afundado

– Em um sábado de tédio, começo a ler um livro. Após certo período de tempo, leio 50% do livro e concluo que não era o que eu esperava. Péssimo livro. Devo finalizar a leitura?

– Aos 18 anos, começo minha graduação em jornalismo. Após 2 anos de curso, me desiludo da profissão. Continuar ou dar um passo ao lado?

– Chegando aos 40 me vejo plenamente desmotivado a continuar minha carreira de Engenheiro. “Mas já foram tantos anos dedicados…. tanta experiência adquirida…”

– Começo a planejar um empreendimento. Neste momento, já investi 70% do capital que separei para isto. Surge um novo raciocínio que me permite concluir que este empreendimento fracassará. Devo continuar com este projeto?

Estes eventos não aconteceram comigo, mas poderiam ter acontecido. E se livrar do custo afundado é sempre o certo a se fazer. Mas por qual razão temos tamanha dificuldade em tomar a decisão correta e abandonar o que já se encontra perdido?

Temos uma enorme dificuldade em tomar este tipo de decisão, e isto pode ser explicado de uma série de maneiras. Uma clássica consiste em utilizar os conceitos envolvidos na prospecty theory. O psicólogo vencedor do nobel da economia Daniel Kahneman (juntamente com Amos Tversky) apresentou sua teoria nos mostrando que a dor emocional da perda pode ser equivalente a até duas vezes a dor de um possível ganho (vide referências). Portanto, abandonar um projeto inacabado (um livro, um empreendimento, uma carreira) significa tempo perdido e, portanto, possui uma carga emocional maior que continuar com os “pequenos ganhos” que talvez venham com a continuidade da atividade. Deste modo, temos a tendência emocional a prolongar as perdas, na tentativa de evitá-las.

Como consequência direta (e indesejada), a pena aplicada é amplificada ao final da atividade: gasta-se mais dinheiro em um empreedimento sem retorno aparente (na tentativa de evitar a perda), mais tempo para concluir a indesejada graduação, cuja profissão não será exercida, e mais energia para acabar de ler um livro em que pouco conhecimento lhe será útil. Particularmente, para o último caso, tenho um espaço reservado para o que eu chamo de “sunk cost books“: paro de ler assim que identifico minha não afinidade com o mesmo.

Decisões envolvendo custo afundado são críticas, pois nos forçam a investir nosso recurso mais precioso e finito. Investimos nosso tempo (falo sobre isto aqui: .//2020/07/15/memento-mori/) em algo que não nos é caro, que não nos dá o devido retorno emocional. Dedicamos, as vezes apáticos, parte de nossa vida e esforço a ficar em um navio fadado a naufragar e, pela óbvia inabilidade em alterar o passado vivemos um presente indesejado, que resultará em um futuro muito longe de nossas mínimas espectativas.

Como humanos, somos seres imperfeitos. E com a imperfeição, vem os erros. Os erros, com a teimosia, pouca flexibilidade mental e ajuste nas variáveis incorretas nos leva a péssimas decisões.

Aqui cabe uma menção ao leito de Procusto. Procusto é um personagem na mitologia grega que recebia magnificamente bem seus hóspedes, dando uma boa refeição, banho quente e roupas para descanço. Em seguida, fazia questão que o seu convidado estivesse completamente ajustado na cama em que ele lhe ofereceria. Para o perfeito ajuste, cortava ou esticava os membros de seu hóspede. A analogia aqui é que não devemos ajustar nossos desejos e sonhos ao que nos é apresentado pela vida àquele momento, mas o oposto disso: cientes do viés do custo afundado, devemos buscar ajustar a variável correta: nossa vida e a tomada de decisão presente. Dói, é difícil, mas fazer o que é certo (para obter o que desejamos) é o melhor caminho para a felicidade plena.

Obviamente, qualquer tipo de transição precisa ser cuidadosamente planejada, de modo responsável, antes de executada. Mas a apatia não deve prevalecer: não devemos escolher não fazer nada diante de custos afundados que frequentemente nos rodeiam, sob pena de afundar juntamente com o navio furado.

“Why do they always teach us that it’s easy and evil to do what we want and that we need discipline to restrain ourselves? It’s the hardest thing in the world–to do what we want. And it takes the greatest kind of courage.”  (Ayn Rand)

Samir Martins

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CONTEÚDO ADICIONAL

Músicas para ouvir enquanto se lê o artigo:

  • T.N.T – ACDC
  • Last Nite – The Strokes
  • Through the fire and Flames – Dragon Force
  • Black Diamond – Stratovarius

Livros e textos que inspiraram o artigo:

  • [1] The Bed of Procrustes: Philosophical and Practical Aphorisms. N. N. Taleb.
  • [2] Rápido e devagar: duas formas de pensar. D. Kahneman.
  • [3] A arte de pensar claramente. R. Dobelli.
  • [4] Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985), The psychology of sunk costs. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 35, 124-140.

Indicações de jogos ao estilo sunk cost:

  • Shaq Fu – Mega Drive.
  • Superman 64 – N64.
  • Caesar’s Pallace – Snes/Mega
 

Citações de sunk cost fallacy em jogos:

  • “I fight so that all the fighting I’ve already done hasn’t been for nothing. I fight… because I must.” The Elder Scrolls V: Skyrim

Filmes relacionados ao artigo

  • Em Busca da Felicidade.

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