#5 – A “sabedoria” do idiota – entre Dunning-Kruger e o Viés do Sobrevivente.

Em um ambiente virtualizado, damos voz amplificada a quem deseja se pronunciar. O que é ótimo sob um ponto de vista, pode se tornar um pesadelo quando compreendemos o efeito Dunning-Kruger e o porque de existirem tantos “especialistas de redes sociais”, efeito replicado indiscriminadamente no cotidiano de cada um.

Para que eu possa me expressar adequadamente, começarei com uma imagem de autoria própria (imagem de capa), baseada na teoria de Dunning e Kruger (1999). Auto-explicativa, certo? É assim que nos comportamos nas mais diferentes áreas da vida. Portanto, se em uma conversa qualquer você se acha superior, pare um momento. Dar um passo atrás e ouvir é sempre mais sábio que dar um arrogante passo adiante. Observe novamente a figura e reflita o local onde você provavelmente se encontra: esta região é diferente daquela em que você gostaria de estar.

Aqui um salto literário proposital para que possamos conversar um pouco sobre o viés do sobrevivente. Como disse Taleb em “Iludidos pelo Acaso” (não perca mais tempo: leia as fantásticas obras deste autor!), se colocássemos um número extremamente grande (infinito) de macacos em frente a máquinas de escrever (devidamente robustas), entre nonsense e toques aleatórios, por chance (e teoria de probabilidades), um deles sairia exatamente com a obra Ilíada, de Homero, contendo cada letra de suas mais de 700 páginas. Ou seja: haverá sempre um sobrevivente (e inúmeros “fracassados”). Este sobrevivente pode estar lá por duas razões: estar devidamente preparado para a atividade ou por pura sorte.

Deste modo haverá, com elevada frequência, um jogador de futebol ruim, jogando em uma grande equipe. Um péssimo presidente administrando uma grande nação. Um péssimo docente em uma grande instituição de ensino superior. Obras do acaso, talvez. Nossa mente, traiçoeira como sempre, foca no macaco que escreveu Ilíada (viés do sobrevivente), ao invés de perceber todos os outros macacos que sairam com um texto sem sentido impresso da máquina de escrever. E o pior: temos a tendência a generalizar esta característica (escritor) como pertinente à classe (macacos), quando na verdade é exatamente o oposto o evento de maior probabilidade. O macaco escritor é o sobrevivente, a exceção.

Pronto: aqui retorno do salto literário para conectar os assuntos. Por Dunning-Kruger, sabemos que a maioria dos “sabe-tudo”, não sabe quase nada. Repare que a “Confiança” do “Sinto que sei algo sobre o assunto” é menor que a “Confiança” do “Eu sou o cara”, embora seu “Conhecimento Na Area” seja substancialmente superior – vide figura acima. Sabemos, ainda, pelo viés do sobrevivente, que tendemos a generalizar situações que ocorrem em menores probabilidades no dia-a-dia (como o macaco escritor – mais sobre probabilidades em breve).

Ao mesmo tempo, parecer inteligente é cult, é cool, é nice. Infla o ego, atrai “amigos” e vende cursos. E como estamos na era do vendedor de curso, é preciso ter um enorme cuidado em relação ao que se escolhe, ao histórico do professor, sob a pena de se ter como instrutor um “Eu sou o cara!”, que possivelmente sabe menos que você em um determinado assunto. Na era dos “especialistas – Eu Sou o Cara!”, igual cuidado deve ser tomado.

Aqui um rápido parêntese: a era do conhecimento digital abre várias portas e nos permite aprender com as mais brilhantes mentes, e isto é ótimo. O problema se encontra no fato que uma mente qualquer se julga, pelo efeito Dunning-Kruger, uma mente brilhante. E muitas vezes esta mente qualquer é o macaco escritor, o que acaba consumindo dinheiro e tempo, que tanto nos custa.

O fracasso novamente se mostra como uma ferramenta de relevante valor em nosso dia-a-dia (escrevi mais sobre isto aqui). Se um indivíduo acumula sucessivos fracassos, naturalmente, acumula sucessiva compreensão de eventos em relação ao que não deve ser feito. Há ainda uma maior probabilidade de profunda compreensão em relação ao fenômeno em questão. Observando a imagem principal deste artigo, a chance deste indivíduo se localizar próximo ao “Eu sou o cara!” é reduzida, de forma que, se o mesmo se esforçou, algum conhecimento adquiriu. Na vida, portanto, mesmo que você se considere bem sucedido, verifique constantemente se você não é um “sobrevivente” (macaco escritor), se não está próximo do “Eu sou o cara!”, e busque sempre crescer. Deseje o bom fracasso (aquele que precede o conhecimento), pois com ele você verdadeiramente evoluirá no eixo X da imagem deste artigo. E lembre-se que, independente de seu grau de auto-confiança, haverá sempre uma probabilidade considerável de você estar errado (seu conhecimento é limitado – sempre será!).

Por fim, vem a ironia da natureza: quando mais caminhamos à direita no eixo X, menos tempo nos resta nesta vida. Portanto, choose wisely.


“Sempre tentou. Sempre falhou. Pouco importa. Tentar novamente. Falhar novamente. FALHAR MELHOR!” (Samuel Beckett)

 
 

Samir



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CONTEÚDO ADICIONAL

Músicas para ouvir enquanto se lê o artigo:

  • For tomorrow – Shaman
  • The Raven Child – Avantasia
  • No pain for the Dead – Angra
  • Back in Black – AC/DC

Livros, vídeos e textos que inspiraram o artigo:

  • As virtudes do fracasso – Charles Pépin
  • Iludidos pelo Acaso – N. N. Taleb
  • Ensaio filosófico sobre pas probabilidades – Laplace
  • Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior – O. Brafman e R. Brafman
  • Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6), 1121–1134. Kruger, J., e Dunning, D. (1999). https://doi.org/10.1037/0022-3514.77.6.1121
  • Por que incompetentes se acham incríveis – https://www.youtube.com/watch?v=sMFxG91bhe8

Filmes relacionados ao artigo

  • A fraude    

 

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